Por Dom Pedro José Conti - Bispo de Macapá
O adivinho disse:
- Certa vez você largou um homem achando que estava morto.
O homem confirmou mexendo a cabeça, sem dizer uma palavra.
– Você o jogou num poço como se estivesse morto.
– Ele me procura? – perguntou o homem tremendo de medo.
- O procurou por muito tempo.
– Vivi dez anos nas montanhas para me esconder dele e com o coração atormentado.
O adivinho olhou bem no seu rosto.
– Ele me procura ainda?
- Não, agora não mais.
- Se me encontrasse, talvez, seria melhor do que viver como uma alma penada.
Era quase meia-noite quando o adivinho voltou para casa. A mulher o aguardava e quis saber o motivo do atraso:
- Você parece preocupado, o que foi que aconteceu? Após terem jantado, o marido contou:
-
Hoje tirei um peso da minha consciência. Ao longo desses anos todos,
pensei como podia me vingar e hoje ele veio ter comigo, sem saber quem
eu era.
A mulher engoliu um grito de horror:
- Você o matou?
- Não – respondeu calmo o adivinho – Ele já estava morto.
Remorso
e vingança não deixam o nosso coração em paz. Podem nos acompanhar por
muitos anos, porque estão dentro de nós, andam por onde nós andamos.
Quanto mais enraizados, mais
difícil é arrancá-los. Exteriormente podemos aparentar sorrisos, mas a
erva daninha não para de crescer.
Jesus,
aproveitando de uma disputa com os fariseus, a respeito de lavar- ou
não- as mãos, foi muito claro quando alertou sobre os males que
prosperam “dentro” de nós.
O
“impuro” que pode contaminar o nosso coração não será a sujeira dos
pratos ou dos copos, nem a comida em si, mas os pensamentos maus que
encontram terreno fértil em quem os acolhe
e os cultiva. Entendemos que devem existir leis obrigando a manter
limpa uma cidade como também normas de higiene pessoal que os pais
ensinam aos seus filhos e que se tornam costume desde criança. No
entanto não existem “normas” para a “limpeza” dos nossos
sentimentos. Somente cada um de nós pode decidir por onde orientar o
que passa pela sua cabeça. Se dermos asas às boas intenções,
provavelmente enxergaremos com bons olhos, também, as pessoas que
encontramos e imaginaremos também coisas boas com elas e para
elas. Se não for assim, talvez, olharemos os outros pensando como
roubá-los, enganá-los, dominá-los. Se tivermos sede de amor e estivermos
dispostos a buscar a paz, também estaremos inclinados ao perdão, à
reconciliação, ao diálogo. Do contrário, iremos atrás
de confrontos, disputas, revanches.
No
evangelho deste domingo, encontramos uma lista das tantas coisas ruins
que, se não tomarmos cuidado, vez por outra, passam pela nossa vida.
Podemos também chamá-las de tentações,
mas cabe a nós fugir delas e não fomentá-las.
Surge,
então, uma espontânea pergunta – que está bem por baixo dessa página do
evangelho: como alimentar bons pensamentos e boas intenções? Com quem
aprender a cultivar o bem?
Nós cristãos podemos responder logo: com Jesus pão-palavra e
pão-eucaristia! Com efeito, a discussão começou porque os discípulos
comiam “pão” sem lavar as mãos. Agora entendemos: para nos alimentarmos,
de verdade, com Jesus “pão da vida” não serve a limpeza
exterior, é preciso zelar pela pureza do coração. A Palavra e a
Eucaristia podem produzir frutos bons somente na vida de quem não deixa
brotar na sua consciência as sementes do mal.
Jesus
proclamou: felizes os “puros de coração” porque verão a Deus. “Verão”
porque os olhos deles já estão abertos para enxergar o bem e a bondade
acima de tudo. Perdemos tanto
tempo para apontar os defeitos e o malfeito dos outros – e os outros
falam do nosso – quando, na realidade, deveríamos estar treinando para
reconhecer e espalhar as virtudes e o benfeito, sem o ciúme e a inveja
que cegam nossos olhos.
Não
esperemos mais tempo para tirar pesos da nossa consciência. Pensamos
estar vivos e na realidade estamos mortos, enterrados no fundo das
nossas mágoas. Vamos deixar que Jesus
nos liberte e nos faça viver.