Por Dom Pedro José Conti - Bispo de Macapá
Um
sábio sempre tinha vivido retamente, conseguindo bem poucos resultados
e recompensas com a sua vida honesta e generosa. Por causa de tamanha
ingratidão, certo dia, ele cansou da humanidade e resolveu investir nos
animais. Vendeu tudo o que possuía. Com o dinheiro comprou um cavalo,
um burro, um cachorro, um boi e uma galinha; mandou construir uma casa
no cume de um monte e foi morar para lá com eles.
O
sábio era um homem muito inteligente e de extraordinária boa vontade e
decidiu que ensinaria aos animais a falar. Trabalhou muitos anos sem
nunca perder a coragem e a paciência. No final, conseguiu: o cavalo, o
burro, o cachorro, o boi e a galinha tinham condições de entender e
responder. O sábio agradeceu ao bom Deus e, depois de ter dado comida e
carinho aos animais, quis fazer o teste conclusivo dos seus esforços.
– Quem é você? – perguntou primeiro ao burro.
– Um cavalo – ele respondeu, com muita firmeza.
– E você quem é? – perguntou ao boi.
– Um leão – respondeu o boi e mostrou os dentes com agressividade.
– Você quem é? – perguntou o sábio à galinha.
– Uma águia – respondeu ela, avançando com as garras.
– E você? – perguntou o sábio ao cavalo.
– Um homem – respondeu o cavalo – e gostaria que o senhor não me tratasse tão familiarmente, nunca fomos íntimos.
O
sábio ficou muito triste e, quase chorando, dirigiu o seu olhar para o
cachorro. Este, bondosamente, jogou-lhe um osso e disse:
- Coitado, está sendo mal tratado, mas não fique tão abatido, sei que será fiel e eu irei lhe proteger.
Depois, o cachorro, vendo que o homem continuava chorando, completou:
- Nós iremos muito longe deste povo ingrato e eu vou lhe ensinar a latir.
Essa
história é de um escritor bem-humorado que queria ironizar sobre a
inutilidade de educar quem não entende o valor dos ensinamentos. Se o
sábio estava decepcionado com os seres humanos, também não teve muito
sucesso com os animais.
Assim,
a longa explicação do evangelho de João sobre Jesus “pão da vida”
esbarra na incredulidade de muitos ouvintes. Quando escutam dizer:
“Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna, e eu o
ressuscitarei no último dia” (Jo 6,54) entendem que eles têm que tomar
uma decisão: confiar, ou não, naquele homem que diz coisas tão novas e
diferentes. É fácil se esconder atrás da “dureza” dessas palavras tão
difíceis de serem aceitas. Talvez muitos dos ouvintes tivessem
entendido o sentido das palavras de Jesus, mas as acharam inaceitáveis.
Nem
por isso Jesus muda de discurso, ao contrário, encara a dose e fala de
escândalo quando virem “o Filho do homem subindo para onde ele estava”
(Jo 6,62). Nesta altura, qualquer desculpa serve para desistir: a
palavra “dura”, a origem de Jesus, o escândalo, o Pai que atrai, o
Espírito que dá vida, a promessa da ressurreição. Lógica consequência é
perguntar aos doze se eles também querem ir embora. Pedro responde com
uma belíssima profissão de fé: “A quem iremos Senhor, Tu tens palavras
de vida eterna” (Jo 6,68).
A
pergunta de Jesus continua ressoando para nós hoje. Ele quer nos
ensinar um caminho novo: a vida doada, o corpo sacrificado e o sangue
derramado, a Eucaristia, comida e a memória perpétua do seu amor total.
Podemos desistir e alimentar a nossa vida com motivações materiais e
passageiras: negócios, lucros, prazeres, diversões. Ao contrário,
seguindo Jesus teremos como referências para a nossa vida as suas
palavras, o seu exemplo, a sua presença. Toda a realidade humana –
alegrias e sofrimentos, conquistas e fracassos, angústias e esperanças
- ganhará uma dimensão de eternidade não por ilusão ou autopromoção,
mas pelo amor que é sempre possível oferecer doa
ndo as nossas vidas como ele entregou a sua por amor. Tudo isso sempre
será difícil para qualquer um, mas quem acreditar encontrará o sentido
desta vida e da eternidade.
Jesus
nunca desiste de nos ensinar novamente esse caminho; o seu exemplo e as
suas palavras continuam a nos convidar e a nos questionar. Sempre
podemos encontrar desculpas e virar as costas. Ou, finalmente, aprender
a linguagem de Deus. Não como os animais da história que acabaram
falando, mas querendo ensinar ao sábio a latir. Tanto esforço não
serviu para nada, porque não tinham entendido o valor da palavra.
Desistiram de ser gente.