Por Dom Alberto Taveira Corrêa - Arcebispo Metropolitano de Belém
A Igreja reza pedindo que Deus redobre
– “multiplique” – seu amor para conosco, para que, conduzidos por Ele,
usemos de tal modo os bens que passam, que possamos abraçar os que não
passam. A administração dos bens sempre foi um desafio para a
humanidade, tanto que os sistemas econômicos, a partir de visões
diferentes, se alternam ou se complementam, numa busca incansável das
respostas adequadas às necessidades humanas. No Evangelho, Jesus se
ocupa, em seus ensinamentos, parábolas ou milagres, do tema dos bens a
serem cuidados pela humanidade.
O fato da multiplicação de pães e
peixes, milagre realizado por Jesus e narrado pelos quatro
evangelistas, é carregado de ensinamentos, fonte inesgotável para a
vida cristã em todos os tempos. São João no-lo descreve com grande
riqueza de detalhes (Jo 6,1-15), reportando no mesmo capítulo em que o
descreve como um dos “sinais”, o discurso a respeito do Pão da Vida, no
qual o Senhor confronta seus próprios discípulos com a escolha decisiva
que também orientará a vida de todos os homens e mulheres que viessem a
acolher a Boa Notícia do Evangelho, no correr dos séculos. De forma
muito clara, abre ainda as mentes e os corações para o milagre
cotidiano, com o qual o Senhor se faz presente na Eucaristia.
Dentre tantas riquezas da Multiplicação
de Pães, podemos voltar os olhos para aquele menino que ofereceu a
“contrapartida” para que o Senhor realizasse o milagre. As crianças nem
eram contadas, tanto que o número de cinco mil homens pode ser
multiplicado, pelas mulheres e crianças certamente presentes ao
episódio da multiplicação. Jesus acolhe quem nem mesmo vale para a
sociedade de seu tempo, recolhe o pouco que pode ser oferecido e
multiplica. O cristianismo aprendeu desde cedo com o seu Senhor e
Mestre a verdade da partilha, ponto de partida para a intervenção da
graça, que efetivamente multiplica o que se pode oferecer, do menor ao
maior, para chegar a todos, que podem entrar cada dia numa igreja, ter
os olhos voltados para o altar e ali aprenderem a lição perene da
multiplicação.
Muitas vezes cantamos “sabes, Senhor, o
que temos é tão pouco para dar, mas este pouco nós queremos com os
irmãos compartilhar”. As desculpas são muitas, pois um não possui nem
mesmo moedas, outro não tem ideias, aquele não tem coragem e a muitos
falta a criatividade ou a iniciativa. O apelo suscitado pelo Evangelho
é a uma mudança que se pode chamar “cultural”. A cultura cristã tem a
marca do “dar” e do “receber”, capacidade de oferecer o que se tem de
melhor, mesmo que sejam os pães e os peixes do menino, as duas moedas
da viúva pobre, o óleo perfumado da mulher pecadora ou a vida daqueles
doze homens chamados por Jesus para começar tudo. Lições de Economia,
Administração, Matemática! Voltemos à velha “tabuada”.
Tabuada de um! Para Deus vale o que
você tem. Uma é a vida a ser oferecida. A chance que lhe é oferecida é
irrepetível. Você pode gastá-la para ser feliz, olhando para Deus, que
só sabe amar e oferecer-se neste amor infinito. Houve um homem, bem
conhecido meu, aliás, meu pai, discreto e silencioso, tímido, mas do
qual soubemos, após sua morte, ter dado bolsas de estudo a muitas
pessoas pobres. O que fez com a mão direita, nem a esquerda soube, mas
Deus fez aparecerem os testemunhos, quando já tinha sido chamado para
junto dele.
Tabuada de dois! Olhe ao seu redor,
pois é sempre possível compartilhar e ao mesmo tempo receber muito dos
outros. Pertinho de você existem pessoas amigas, há ouvidos abertos
para escutar e ao mesmo tempo gente que espera uma palavra que pode ser
a sua. Comece no diálogo com a pessoa que se assenta ao seu lado num
transporte coletivo, ou quem está perto numa das muitas filas a serem
enfrentadas. Ofereça escuta, gestos, atenção, bens materiais. Saiba
receber com humildade e simplicidade. E vale a pena lembrar que bastam
dois reunidos em nome de Jesus, que se amem mutuamente, para que Ele
esteja presente.
Tabuada de cinco! Os dons de Deus são
irrevogáveis e infinitamente desproporcionais às nossas capacidades e
eventualmente pequenas ofertas. Basta verificar a quantidade de obras
sociais nascidas do Evangelho no coração da Igreja, para ver o quanto
os meios pobres, mas bem administrados, são orvalhados pela graça.
Quantos são os filhos sem nome ou sem genitores conhecidos que foram
acolhidos. E a presença no campo da educação! Escute o que têm a dizer
as muitas iniciativas de caridade. Conheça o que faz a Cáritas
Arquidiocesana de Belém, abra seus olhos para ver que nossa pobreza se
faz riqueza, para que o que tem muito não tenha sobra e o que tem pouco
não tenha falta. Onde houver um cristão de verdade, esteja presente o
milagre da multiplicação! Um, dois, cinco, mil. Uma contabilidade nova!
As contas de Deus serão sempre maiores, porque são do tamanho da
eternidade.