Artigo Dominical de Dom Pedro José Conti, bispo de Macapá
Certo dia, um brâmane, sacerdote hindu, apresentou-se ao rei e lhe disse:
- Se me nomear seu mestre, eu lhe ensinarei as Sagradas Escrituras, que conheço profundamente. Vou querer somente
comida, hospedagem e três mil rúpias por mês.
– O rei não gostou nem do desejo de honra e nem do dinheiro que o homem tinha pedido e respondeu:
- A minha impressão, ó brâmane, é que você não tenha entendido bem as Escrituras; poderei recebê-lo como mestre se
estudá-las mais a fundo.
–
O sacerdote ficou com raiva e pensou: - O rei está louco, como pode
dizer que não conheço as Escrituras? Já faz
muitos anos que as leio todos os dias. – Contudo voltou para casa e
iniciou uma nova leitura com mais atenção. Depois disso, foi de novo
falar com o rei, mas este lhe repetiu as mesmas palavras e ficou mais
zangado ainda; então suspeitou que a exigência do
rei pudesse ter sentido. Fechou-se em casa e retomou a leitura das
Sagradas Escrituras, trecho por trecho, versículo por versículo,
palavra por palavra, dia após dia elas entraram no seu coração e não
mais somente na cabeça. Compreendeu assim a vaidade do
mundo e como honra e dinheiro não valem nada se comparados com o
tesouro inestimável da palavra de Deus. Começou então a buscar a
perfeição e se esqueceu do rei.
Depois de alguns anos, aquele mesmo rei foi visitar pessoalmente o brâmane. Quando viu a luz que resplandecia no seu
rosto, o rei caiu aos pés dele e disse:
- Agora estou vendo que você realmente chegou ao conhecimento mais profundo das Escrituras. Se quiser me aceitar como
seu discípulo ficaria muito feliz .
Essa história nos lembra que antes de querermos ensinar algo aos outros precisamos conhecê-lo de verdade. Antes de
falar devemos aprender a escutar.
Na
cura do surdo que falava com dificuldade, Jesus primeiro coloca os
dedos nos ouvidos dele e, somente depois, toca
na sua língua. O que poderia parecer um estranho ritual na realidade
revela uma grande lição e, de certa forma, uma preocupação do próprio
Jesus. Entre o ouvir e o falar tem uma profunda ligação. Quem tem
ouvido bom, facilmente aprende a falar. Quem não escuta
bem, ou não escuta nada, dificilmente consegue se expressar. Com
efeito, o homem surdo do evangelho falava com dificuldade. A sucessão
dos gestos de Jesus e o seu suspiro conclusivo: “Efatá” – Abre-te –
dizem tudo. Aquele que se abre à Palavra, à escuta e
a compreende, por sua vez, poderá abrir a boca para comunicar o que
ouviu e entendeu. Somente quem se apropria da Palavra pela escuta
atenta e a deixa entrar no profundo do seu coração, poderá também
anunciá-la com fidelidade, respeito e alegria. Quem tem
a Palavra como seu tesouro poderá tirar dela “coisas novas e coisas
velhas”, como o pai de família da parábola (cf. Mt 13,52). Mas se não
tem tesouro ou o cofre está vazio, não terá nada para oferecer. Aliás,
poderá dizer muitas palavras, mas bem poucas capazes
de ecoar e comunicar aquelas “palavras de vida eterna” que Jesus semeou
no meio de nós (cf. Jo 6,68).
Vivemos
num mundo globalizado e conectado, onde, aparentemente, domina a
comunicação. Parece que todos têm muitas coisas para dizer, nem que
seja para nos convencer a comprar os
seus produtos ou a votar neles. Quem ainda não sabe das últimas “news”
tem a impressão de ter ficado para trás. Será? Sobram palavras, sons e
ruídos. Estamos bombardeados por notícias, informações, umas empurradas
pelas outras que vêm logo atrás. Precisamos
aprender a filtrar as informações; de outra forma bobagens, fofocas e
amenidades, vão juntas pelo ralo com notícias que mexem com a vida de
milhares de pessoas, de países inteiros e até com a vida do próprio
planeta. O pior acontece quando também a Palavra
de Deus acaba do mesmo jeito, no lixo da confusão, na mistura dos
acontecimentos, na incerteza sobre quem, afinal, nos diz a verdade.
Com
a Palavra do Senhor somos todos ainda muito surdos e a balbuciamos com
grande dificuldade. Para Jesus tirar aquele
homem do isolamento da surdez e da não comunicação bastou tocar nele,
com carinho, com paciência, mas fora do barulho e da curiosidade da
multidão. Para entrar mesmo em nossa vida, também a Palavra de Deus
precisa de tempo, atenção, recolhimento e... silêncio.
Todas coisas fora de moda. O brâmane da história se esqueceu até do
rei, no entanto uma nova luz resplandeceu no seu rosto. E o rei viu.
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