quinta-feira, 26 de julho de 2012

Voz do Pastor: É tudo brinde da casa


Dom Pedro Conti

Por Dom Pedro José Conti - Bispo de Macapá 

Um homem andava muito preocupado com o sentido da vida. Tinha muitas dúvidas e muitos questionamentos. Sempre ficava se perguntando como seria o dia do Julgamento Final. Certa noite, sonhou que havia morrido e estava bem na frente da grande porta do Céu. Bateu e um anjo veio abri-la. Sorrindo, fê-lo entrar na sala de espera do Paraíso e depois desapareceu. O ambiente lhe pareceu muito severo, tinha o aspecto de uma sala de tribunal. O homem ficou esperando que viesse alguém e, cada vez mais, sentia o medo crescer dentro dele. Depois de algum tempo, o anjo voltou e lhe entregou uma folha onde, bem em cima, estava escrito: DÍVIDA. O homem começou a ler: “Pela luz do sol e o farfalhar das folhas; pela neve, a chuva e o vento; Pelo ar respirado, a lu z das estrelas, as tardes e as noites...” A lista era muito extensa, nunca chegava ao fim. “... pelo olhar dos jovens, o sorriso das crianças; pelas mãos e os pés, pela areia das praias, pela ternura e as carícias; pelas verdes matas, as frutas, os peixes no rio; pela primeira palavra do seu filho; pelas ondas do mar, as fontes de água cristalina...” O homem continuava a ler e a preocupação aumentava. Qual podia ser o total daquela dívida? Como e de que jeito poderia pagar tudo o que tinha recebido em vida? O coração dele começava a ficar descontrolado quando, de repente, entrou Deus. Bateu no ombro dele e, rindo, disse-lhe: - “É tudo brinde da casa até o fim dos tempos. Adorei lhe dar tudo isso, viu?”.
No evangelho da multiplicação dos pães e dos peixes sempre me chamaram atenção as sobras. Tudo foi repartido com fartura, mas nada podia ser desperdiçado. A comida, o pão neste caso, representa o necessário para a vida. Não é um luxo, é questão de sobrevivência. A fome deve ser satisfeita plenamente para a alegria de todos; ninguém deve ser excluído do banquete da vida. Jogar fora as sobras é sinal de desprezo com a própria comida, mas sobretudo com aqueles que, todo dia, passam necessidade.
Os pesquisadores dizem que no mundo inteiro muita comida vai para o lixo. Esta comida seria suficiente, e talvez sobraria, para resolver definitivamente a fome no mundo. Por que o necessário para alguns vira imundície para outros? Seria bom buscarmos respostas dentro, na nossa consciência; e fora, na organização da nossa sociedade, onde o consumo desenfreado e a ganância sem limites levam à busca do supérfluo e ao desprezo do necessário. Se continuarmos desse jeito, crescerão cada vez mais as montanhas de lixo e se alongarão as filas dos desempregados e famintos.
Podemos chamar tudo isso de falta de justiça e de solidariedade. Com certeza não é culpa de Deus. Também quem não acredita nele deve reconhecer a fartura que a natureza nos oferece. Terra – para trabalhar - água, luz e ar não faltam. Se começam a faltar é por causa do mau uso que fazemos.
Além da fartura, na página do evangelho deste domingo, devemos admirar também a gratuidade. Tudo é dom: os cinco pães e os dois peixes do menino e a quantidade distribuída para a felicidade de todos. As duzentas moedas de prata foram lembradas somente para envergonhar quem tudo contabiliza e de tudo quer tirar proveito. Jesus, ao contrário, sentiu compaixão; quis saciar a fome daquele povo como sinal da providência generosa do Pai, mas também para despertar neles a alegria da partilha e da fraternidade. Se o Pai não mede o seu amor, deu-nos a vida, o universo e até o seu próprio Filho de presente, por que nós não deveríamos também ser generosos, capazes de partilhar os bens e de promover a vida? Deus não ficou mais pobre por ter nos doad o tanto. Quem doa por amor não perde, ao contrário, ganha. Quem doa vida ganha sentido na própria vida. Por que temos tanto medo de abrir as nossas mãos e o nosso coração? Quantas vezes queremos tudo, ou muito, para nós, e para os outros ficam somente as sobras! Somos eternos devedores dos bens que recebemos com tanta fartura. Por que não acertar a nossa conta doando também? Seriamos mais felizes, alegres como Deus, afinal.

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